Crianças, jovens e adultos, em Luanda, “lutam”, numa tubagem pública, por eles “danificada”, à berma da estrada, para conseguir uma bacia ou balde de água que, há semanas, não jorra naquela circunscrição do município do Cazenga. Num país rico que em vez de produzi riquezas produziu apenas ricos, é um dos melhores cartões de visita de quem nos governa, o MPLA, há 45 anos. Mais fácil é obter comida. O acesso às lixeiras é… livre!
Vários bairros, distritos e municípios de Luanda enfrentam a escassez de água potável e a alternativa, para muitos, tem sido percorrer longas distâncias com recipientes à cabeça em busca da água para a sua higienização ou confecção de alimentos (quando conseguem ter alguns).
Pela capital angolana, tem sido visível pelas ruas, adultos e crianças que “driblam” a distância e o distanciamento imposto pela Covid-19 para conseguir o líquido para as suas residências, o que muitas vezes só conseguem através de “intensa discussão”.
Dezenas de moradoras do bairro São João, distrito urbano do Hoji-ya-Henda, município do Cazenga, um dos mais populosos de Luanda, acorrem a uma fonte, originada por uma tubagem por eles destruída para conseguir a água. A necessidade aguça o engenho.
No meio de disputas e acesas discussões e mesmo expostos ao perigo de atropelamento, por a tubagem estar à berma da estrada Porto Santo, mulheres, homens e crianças dali não arredam pé até conseguirem a água para satisfazer as suas necessidades básicas.
“Estamos há muitos anos sem água aqui no bairro, sou residente do bairro, cresci aqui e é complicado. Esta confusão vem porque não há colaboração”, contou Ana Adriano, 40 anos.
A moradora do bairro São João lamenta a falta de água na circunscrição, que dura há semanas, e assumiu que os moradores “decidiram destruir a tubagem principal”, escavada a dois metros de profundidade, onde “brigam” pela posse de água, um bem que é elementar.
“Não foi bem destruída, apenas vimos a água a subir e então como estamos a sofrer sem água todos nós invadimos e daqui estamos a tirar proveito, nem sempre sai água, porque daqui podemos esperar mais três ou quatro dias”, lamentou.
Ana Adriano, sabe das limitações e recomendações impostas pela Covid-19, como a lavagem regular das mãos, admitindo ser “difícil o cumprimento das orientações das autoridades sanitárias com a constante falta de água”.
Populares naquele bairro do Cazenga socorrem-se igualmente da água abastecida por camiões cisternas, sendo que em período de escassez, podem gastar diariamente mais de 1.000 kwanzas (1,3 euros). “Daí que pedimos ao Governo que coloque água cá no nosso bairro, porque está mesmo muito complicado”, referiu.
As dificuldades de acesso à água também foram descritas por Domigas Dala, 50 anos, que considera a situação como “penosa”, afirmando que o recurso tem sido muitas vezes a água da cacimba, sobretudo para a higiene da casa.
Queixou-se também de cobranças arbitrárias de até 300 kwanzas (0,3 euros) para ter acesso à fonte, exortando as autoridades a “terminarem com o sofrimento” que os habitantes enfrentam “semanas após semanas”.
A aglomeração de pessoas naquela fonte de água, traduzida em “palco de luta pela sobrevivência”, foi reprovada por Joaquim Manuel ‘Quim’, morador daquele bairro, temendo pela propagação da Covid-19.
‘Quim’, como é conhecido na zona, recordou que há anos uma equipa de técnicos chineses instalou torneiras a nível dos quintais, mas estas “continuam inoperantes”, situação que concorreu para que os populares, “cansados de esperar, destruíssem a tubagem principal”.
“Então, é por meio dessa fonte que aproveitamos um bocadinho de água, a confusão neste buraco não acaba e quando estiver a sair água cada um faz o que bem entender”, disse.
As dificuldades de acesso à água potável também são vividas pelos moradores do bairro da Estrada Nova, também no município do Cazenga, cujo cenário é marcado pelo movimento ininterrupto de pessoas.
Nem mesmo a Covid-19 inibe pais ou encarregados de educação de mandarem os filhos à rua a procura de água e os poucos locais onde jorra o líquido é marcado por enchentes de pessoas e de dezenas de recipientes.
A nível dos nove municípios da capital angolana, com perto de oito milhões de habitantes, surgem relatos de falta de água que dura há semanas.
A Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL) investiu 250 milhões de dólares (cerca de 210 milhões de euros), em 2012, para a implementação do “Projecto das 700.000 Ligações” visando aumentar a distribuição de água na capital angolana.
Para aumentar a cobertura dos serviços de água nas cidades angolanas, o Banco Mundial (BM) está a financiar com 200 milhões de dólares (167 milhões de euros) um segundo projecto que teve início em 2017 e com término previsto para 2023.
Tem a palavra, molhada, o perito Bornito de Sousa
O Vice-presidente da República recomendou no dia 27 de Fevereiro de 2018, em Luanda, uma gestão correcta dos recursos hídricos, no sentido de assegurar o acesso das famílias e das comunidades à água potável.
O que Bornito de Sousa habitualmente diz equipara-se ao que o seu camarada Bento Kangamba afirma, no caso quanto a ser necessário assegurar o acesso das famílias e das comunidades à electricidade… potável.
Bornito de Sousa discursava na abertura da primeira reunião ordinária do Conselho Nacional de Águas, um órgão (mais um) permanente consultivo do Titular do Poder Executivo (João Lourenço) e, igualmente, do Presidente da República (João Lourenço) e do Presidente do MPLA (João Lourenço), criado pelo Decreto Presidencial 76/17, de 5 de Abril.
O Vice-presidente falou da necessidade da municipalização da assistência aos equipamentos de energia e águas, da introdução de tecnologias inteligentes de medição e cobrança do consumo, de assegurar a sustentabilidade financeira das empresas prestadoras de serviços e de promover o adequado tratamento das águas residuais.
Pareceu até, durante breves momentos, que o Governo estaria mesmo preocupado e que, afinal, Angola era um Estado de Direito. Não era, infelizmente, o caso. A culpa não é, contudo, dos governantes do MPLA. É que, bem vistas as coisas, o partido de João Lourenço só chegou a Poder em… 1975. Falta-lhe, portanto, tempo para fazer que o deveria estar feito há décadas.
Bornito de Sousa defendeu soluções estruturantes que acabam por ser, a prazo, mais económicas do que repetidas medidas de emergência para as situações da seca e escassez de recursos hídricos no Centro e Sul do país que afectam a qualidade de vida das pessoas, culturas, animais e indústrias. Quem diria, não é?
O Vice-presidente referiu também que os objectivos de desenvolvimento sustentável para 2030 (ano em que previsivelmente o MPLA continuará no Poder) assinalam como prioridade garantir a disponibilidade e a gestão sustentável de água e saneamento para todos… mesmo (eventualmente) para os angolanos de segunda categoria.
A água é um bem essencial, mas escasso, sublinhou o Vice-presidente, adiantando (numa brilhante prova dos seus vastos conhecimentos) que apesar de 75% da superfície da terra ser coberta por água, apenas três por cento é de água doce e, desta, apenas um terço está acessível.
Bornito de Sousa disse também que Angola, felizmente, é um dos poucos países com uma rede de rios, lagoas, lagos e águas subterrâneas, uma costa de 1.750 quilómetros e uma zona económica marítima que pode estender-se até 350 milhas náuticas, no quadro de facilidades proporcionadas pela ONU.
Angola possui 77 bacias hidrográficas, das quais 47 principais, 30 secundárias, incluindo as que partilha com outros países, designadamente, as cinco bacias hidrográficas internacionais ou transfronteiriças dos rios Cunene, Cuvelai, Cubango/Okavango, Zaire/Congo e Zambeze.
Com toda a propriedade e sentido patriótico, Bornito de Sousa apontou a título de exemplo, o rio Zambeze que exige uma gestão partilhada entre a Angola, Zâmbia, Namíbia, Botswana, Zimbabwe e Moçambique, lembrando que o Conselho Nacional de Águas é um mecanismo para aplicação de instrumentos reguladores de gestão nacional e internacional partilhada dos recursos aquáticos.
Na sua primeira reunião ordinária, o Conselho Nacional de Águas apreciou os projectos, regime jurídico da taxa de captação de água e dos regulamentos do fundo Nacional de recursos hídricos e dos conselhos das bacias hidrográficas.
Estiveram também em análise os planos gerais de utilização e desenvolvimento das bacias hidrográficas dos rios Cuanza e Zambeze e os projectos estruturantes relacionados com a estiagem em províncias do Sul de Angola.
Coordenado pelo Vice-presidente da República, tem como atribuições, entre outras, assegurar a compatibilização da política de gestão de recursos hídricos com as políticas de ordenamento da orla costeira e promover a participação das comunidades locais na gestão dos recursos hídricos, através dos Conselhos Regionais de Bacias Hidrográficas.
Folha 8 com Lusa
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